O filme traz a história de um casal que está faz trinta e dois anos junto e que atravessa uma crise na idade adulta avançada, cujas reflexões e questionamentos estão vindo à tona, e os desejos precisam ser resignificados e o luto de alguns deles pede o ritual necessário. O filme aborda inicialmente, a venda do apartamento no qual viveram todos esses anos e que durante as visitas dos futuros compradores alguns questionamentos são expostos, tipo: o que ele significa para cada um, qual é o tamanho dele, possui uma boa energia? Por que estão vendendo-o? E diante desses questionamentos surgem grandes divergências. Fazendo-se necessária uma maior reflexão, e exaustivamente, o casal vê-se numa teia cujos sonhos, ideais e vontades de cada um manifestam-se de maneira imperativa, pondo em xeque a relação.
A personagem principal, Carolina sofre - segundo Erikson nos traz com o conceito de crise de identidade - uma necessidade em sua dimensão individual na qual se torna fundamental ao desenvolvimento de sua personalidade a capacidade de integração da sua experiência, sendo um momento extremamente confuso no qual ela oscila entre duas polaridades, prevalecendo durante todo o filme, na negativa. Em contrapartida existe Luis Claudio, o marido cujo comportamento se mantém na polaridade positiva, sempre trazendo soluções para os questionamentos de Carolina, esta trazendo em seu discurso o desespero trazido pela temporalidade e inexorabilidade deste em seus desígnios. Aquele, argumentando que o tempo leva uma porção de coisas, mas traz outras, tendo coisas que só ele traz. O filme se apresenta na estrutura de flashback. Sendo ideal para o desenrolar do enredo.
Carolina se questiona sobre o sentido de sua vida, sobre seus sonhos, sobre seu ninho vazio. Metáfora ideal para expressar o momento cujos filhos estão criados e saem de casa para alçarem vôos próprios, sendo inevitável a convivência com o parceiro, já que só sobrou este. Em face dessa necessidade ela se indaga sobre seus reais sentimentos, sonhos e desejos, que na função mãe-esposa ficaram para trás em troca deste papel que ela exerceu com maestria. Durante o filme as frases de Carolina explicitam bem essa dúvida, pois ao encontrar consigo mesma há trinta anos pergunta: Mas é só isso? Minha vida se transformará nisto? Não serei uma estrela? A vida não é um filme? Pela primeira vez ela se percebe como total ser em aberto, todas as possibilidades de ser o inesperado, de perceber que todas suas decisões poderiam ser diferentes e que existe por meio, de novas escolhas, a possibilidade de viver outras histórias. Sendo o Luís Claudio seu interlocutor, cuja realidade de seus argumentos e a lembrança do seu amor, fazem-na mergulhar ainda mais fundo na busca de uma nova vida.
O filme vai ficando mais interessante ao decorrer de sua história, pois alusivamente ao título, este concebe à personagem o direito de permitir o experimentar de todas as possibilidades, trazendo ideal criada por Heidegger de Dasein, esta sendo a angústia máxima dos humanos cujas escolhas sempre significam potencial e morte. Pois a cada escolha você se permite um destino, mas nega-se a uma infinidade de outros, sendo o conviver com essa angústia o grande cerne da bipolaridade Generatividade versus Estagnação, na qual a personagem faz, inevitavelmente, a indagação: minha vida valeu à pena? Fora o que eu desejava que fosse? Diante, destes questionamentos a personagem decide tentar um novo rumo a sua prosa, tomando a decisão de separar-se e buscar uma vida que ela julgasse ser dela, na qual tomaria as decisões que lhe conviesse e não apenas as atitudes adequadas à realidade do grupo.
O filme nos proporciona um material fantástico à reflexão porque ele enseja uma realidade da meia idade cujo ser já possui um certo amadurecimento biológico, psíquico e social, sendo um retrato do homem histórico, criado e criador de sua realidade é capaz de por em desvalia toda a sua história. No entanto, narra o sofrimento em tempo ficcional para que as questões como: envelhecerei assim? Eu esqueci como eu era tola na sua idade? Mas será que não valeu à pena? Tornem-se tão reais que a vida construída é posta em dúvidas, obrigando Carolina a buscar em qual caminho o seu desejo se perdeu. Diante dessa necessidade ela mergulha em suas lembranças e recai numa dissonância cognitiva, cujo seu amor por Luis Claudio é o foco. Diante desta realidade que se reconstrói e se resignifica é-lhe facultado o escolher consciente de sua realidade, quase que de maneira similar a um processo terapêutico no qual a desconstrução e remodelagem é proporcionada por uma vivência subjetiva que permite uma decisão consciente, congruente como diria Carl Rogers, sendo ela a possível autora de sua história, capaz de tornar-se consciente das demandas dos seus desejos e ativa no seu processo de tornar-se pessoa. De maneira peculiar o filme descreve este crescimento e o salto para o que Erikson chamaria de modelagem, maneira pela qual o Eu ou Self de Carolina organizará a experiência congregando à continuidade da experiência trazida por esse desafio.
Por fim, Carolina diante de sua saga por sua vida, espreita seus sentimentos e decide por viver a sua vida já manifesta, percebendo que a possibilidade de significação não implica um voltar atrás, mas um tornar presente outra concepção, outro significante, sendo a maturidade da personagem a moeda de pagamento do barqueiro do Hades. Possibilitando ao casal a capacidade de escrever novo final, mais consciente e coerente com seus desejos.
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