domingo, 5 de dezembro de 2010

SURDEZ

Diante do tema abordado – Deficiência: Uma cultura surda. Faz-se mister uma breve explanação histórica a respeito da virada cultural dada pela normativa dos direitos humanos elencados pela ONU- Organização das Nações Unidas- em 1948, movida pelo zeitgaist, postulando direitos e deveres sociais, resgatando o ideal de Estado social de direito, exposto pela revolução francesa -Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade - artigo 1 da declaração dos direitos humanos.  Assim nos permitimos citar alguns artigos com o intuito de contextualizar a luta pela igualdade de direitos.
É assegurado entre outros direitos o de acesso a instrução, como nos orienta o artigo 26 da carta:
I) Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. II) A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais (Grifo nosso).

Este artigo supracitado nos permite refletir sobre as condições de acesso à educação das pessoas surdas, como também, do contexto social no qual este ocorre. A mesma Organização das Nações Unidas proclamou em 09 de dezembro de 1975 a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes em seu artigo 3:
As pessoas deficientes têm o direito inerente de respeito por sua dignidade humana. As pessoas deficientes qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar uma vida decente, tão normal e plena quanto possível"; e em seu artigo 8: "As pessoas deficientes têm o direito de ter suas necessidades especiais levadas em consideração em todos os estágios de planejamento econômico e social.
Ainda a ONU elaborou em 03 de dezembro de 1982 o programa de ação mundial para pessoas com deficiência que diz entre outras coisas a seguinte:
A igualdade de oportunidades é o processo mediante o qual o sistema geral da sociedade - o meio físico e cultural, a habitação, o transporte, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades de educação e de trabalho, a vida cultural e social, inclusive as instalações esportivas e de lazer - torna-se acessível a todos.
A constituição federativa do Brasil de 1988 compactua com todos esses documentos e traz em seu corpo como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, sendo-nos assegurado o exercício desta. Destarte tais assuntos são contemporâneos na medida em que o habitus (BOURDIEU, 1982, p. 7) por meio da cultura acumulada é intensificado como discussão. Comungando com a noção de Michel Foucault em seu livro A ordem do discurso, no qual ele atribui certo estruturalismo social e nos propõe a refletir dizendo que o discurso não é simplesmente aquilo que traduz quanto às lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta. Sendo-nos instigado a refletir sobre a surdez social, como uma conseqüência dos sistemas de poder que tem na massificação de verdades e discursos o método para o desenvolvimento humano. Sendo esta a grande crítica deste autor e de vários outros que propõem uma reflexão sobre a sociedade e seus sistemas de ensino, pois este é um grande balizador da cultura de um povo.
Segundo a ONG – Organização Não Governamental- Ajuda Brasil, 1,7% da população nacional possui problemas relacionados à surdez; destes, somente, um número reduzidíssimo avançam em seu processo de escolarização, integração social e ingresso no mercado de trabalho. A identidade e a cultura visual do sujeito surdo raramente são respeitadas. Denotando a ausência de uma capacitação adequada e uma aprendizagem que visa o simples acúmulo de fatos. Realidade tão temida e, por isso, alarmada por Paulo Freire.  
 É importante argumentarmos a título de reflexão filosófica a maneira como a teia social se constitui, como um fuxico sendo bordado nas mãos do povo, que por meio, de símbolos como nos esclarece Ferdinand Saussure em sua obra Curso de Lingüística Geral, o signo lingüístico é formado pelo significado, a que corresponde um conceito e, pelo significante, a que corresponde uma imagem acústica ou gráfica do conceito. Não destacando um grau de importância entre eles - estão intimamente unidos e um reclama o outro. (pág. 80). No entanto Lacan, psicanalista do século XX, reinvidica essa equação nos argumentando que o significado é mais importante, pois contém o afeto daquilo que enseja, guarda, traz à tona, o conteúdo. Sendo a linguagem fundamental à formação e constituição do ser. Assim como, um grande instrumento para a cura dos sofrimentos humanos. Diante desta perspectiva nos perguntamos de que maneira as pessoas que são privadas de um simbolismo lingüístico complexo no sentido de capacidade de comungar de maneira adequada e, marginalizados, conseqüentemente, pela cultura são prejudicadas em sua formação bio-psico-social.
Vale citar um trecho do texto da professora doutora Nídia Limeira de Sá, da Universidade Federal da Bahia, que argumenta sobre a marginalização da cultura do surdo:
É através das interpretações baseadas na cultura majoritária que, na construção social da surdez, ocorre a valorização do modelo ouvinte, principalmente no processo educativo dos surdos. Trata-se de uma imposição subjetiva (às vezes até objetiva) sobre as identidades dos surdos, sobre sua subjetividade, sobre sua auto-imagem, ou seja, poderes são exercidos para influenciar os surdos a perderem sua identidade de surdo, para que sua diferença seja assimilada, disfarçada, torne-se invisível.
Seu texto nos auxilia a refletir sobre as variáveis que permeiam essa discussão, fazendo-nos perceber que o título “cultura surda” conota outros significados para além do simples fenômeno da surdez em seu sentido biológico. Mas uma supressão da diferença pelo discurso desgastado da diversidade, como panacéia epistemológica para se refletir sobre as reais condições do ser humano surdo.
REFERÊNCIAS
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo, Cultrix, 2006.
SÁ, Nídia Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas, 2006.






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